7/17/2006
TEATRO DE COLARINHO AZUL
Esta noite, na Teatroesfera, em pleno Monte Abraão, culmina o 4º Festival Internacional de Café-Teatro da Cidade de Queluz: o FINCA-TE!. Nele, artistas nacionais juntos com vedetas vindas de França, Espanha, Reino Unido, Itália e Moçambique têm adocicado os palatos cafeinados dos espectantes.
A sala de espectáculos situa-se algures entre a linha de comboios local, o McDonald's do sítio e o clube desportivo das redondezas. Pratica preçários que competem com bilhetes de cinema de Colombos e Vascos das Gamas. Sustenta sobre o palco uma média de três peças por ano, recitais de poesia, festivais (como o anunciado) e oficinas de expressão dramática várias. Que mais? Vende.
O facto de um teatro sito num país que eu chamo Subúrbia sobreviver quatro anos de cadeiras forradas de interessados e holofotes luzindo sobre bom talento é, em si, um punho calejado com anel e relógio na beiça do Ministério da Cultura, dos institutos para as artes e de todas as gravatas que vêem na Arte apenas algo que condiga com o tapete do hall.
Obrigado, Teatrosfera, por levarem o meu colarinho azul e o de tantas demais almas subsalariadas a outro Drama que o nosso.
NUNO DISSE
7/14/2006
POLINDO UM TRIBUTO AO CRAZY DIAMOND, SYD BARRETT
"It's awfully considerate of you to think of me here
And I'm much obliged to you for making it clear
That I'm not here."
Jugband Blues, SYD BARRETT
Como vos já foi anunciado nos obituários telejornalísticos, o fundador dos Pink Floyd, Syd Barrett, está morto oficialmente. Contudo, o Syd Barrett fundador dos Pink Floyd, há muito morrera não de diabetes, mas do fluido róseo com que baptizou a sua banda psicadélica de mil-nove-e-sessentas. LSD e o síndrome de Asperger não combinam, e tal cocktail deixa como sarro uma esquizofrenia inevitável, irrevogável.
Constará nos manuais de história, ou melhor, nos arquivos da Rolling Stone ou da lusa Blitz, como génio romântico ao jeito de Baudelaire ou Poe: de frutos tão escassos quanto saborosos, duma doçura verde e, ao mesmo tempo, dum azedume para lá do maduro.
Riremos mais ainda das suas cançonetas de rimas infantis, musicadas pela sua lira eléctrica, por cordas feridas não pela palheta, mas com o isqueiro que lhe acendia os incensos do seu transe. Lamentaremos o seu decair e o como a sua orquestra quimérica que outrora entoava hinos, ora ao travestismo dum tal Arnold Lane, à promiscuidade primaveril duma tal de Emily, ao alcoolismo do seu gato Lucifer Sam e aos piolhos de Bob Dylan, e que agora emudecera ao quase-silêncio. Ao quase silêncio dum autista de guitarra em riste, especando para o público ao vivo, enquanto borbulhava o gel que lhe escorria até ao nariz, enquanto desafinava o instrumento amplificado até à surdez, enquanto teatrava a mais fiel e hamletiana representação dum homem enlouquecendo a cada acorde.
Syd Barrett era, para a arte, o diamante em bruto do artesão. Segundo os membros da sua banda, um diamante louco. Recolheu a um exílio longe da banda que se aclamaria como melhor do mundo, para uma vida anónima em Cambridge, na pequena Bretanha suburbana. Do que fugiria? Talvez do vácuo em forma de Syd que o esvaziar da sua poesia, do seu íntimo frente milhões, fez sobrar. Ou talvez não. Syd já não era Syd desde que, ao seu médico, diagnosticado o seu estado demente, lhe respondera, plácido e sóbrio: "Do you think that is Syd's problem?". O seu Eu conjugou-se desde então na 3º pessoa.
A ele, como a qualquer falecido, não se chore a morte, mas celebre-se a vida. Pois que a obra que nos ofertou faz com que tal seja tão fácil quanto gratificante.
"Nobody knows where you are,
How near or how far.
Shine on, you Crazy Diamond!"
Shine on, you Crazy Diamond, PINK FLOYD
NVNO DISSE
7/09/2006
REFERÊNCIA SEM CÓDIGO DE BARRAS
Caso os leitores do melhor jornal académico português queiram consultar o que no país de melhor há na blogosfera, faça-o. Nele, o equilíbrio se achou entre um diário semi-anónimo e a teologia de quem mostra a face à divindade que perscruta. Útil a ateus e crentes, cristãos e apóstatas, evangélicos e o resto em que me incluo. Conciso, preciso. Qualquer coincidência do seu autor com Tiago Cavaco, o panque-roquer baptista seu homónimo, pode ser rectificada.
NVNO DISSE
7/07/2006
DOS ARTISTAS QUE ACTUARAM NO FESTIVAL DO DÉFICE
Apesar de todos os elementos dO FESTIVAL DO DÉFICE terem parecido em primeira instância aleatórios, saiba-se que muito na circunferência de entre estas suíças se meditou quanto aos melófilos eleitos. Estes, listaram-se numa selecta de celebridades entre as quais OS LACRAUS, OS PONTOS NEGROS e o DJ ZERO-G se destacaram. Isto em detrimento doutras, que não perfilavam penteados tão taveiramente arquitectados.
I. OS LACRAUS
Provenientes de Queluz, Sintra. Banda dominante da cena panque-evangélica que fez da Igreja Baptista local o seu CBGB de culto ao Deus de Abraão. Graças às suas guitarras ecléticas, teclados hinantes e percursões sálmicas, o colectivo faz com que os seus ámens reverberem entre os mosches, que as suas glórias-ao-Senhor ecoem sob os crowd-surfers da sua fé. Nada Joe Strummer ficou devendo ao mundo, senão uma canção: "A Isabel é Intelectual Porque Perdeu a Virgindade na Feira do Livro". Em nome do príncipe do roque: obrigado, OS LACRAUS.
II. OS PONTOS NEGROS
Provenientes de Queluz, Sintra. Únicos no género indie. Isto porque são heterossexuais e parecem como tal. Sobre a sua amplificação oxidada e industrial, adeja a sensibilidade amorosa dum coração verboso que quer-se ouvido e confessado, ainda que seja acerca do seu amor pueril pela respectiva professora de piano, décadas mais anosa.
III. DJ ZERO-G
Proveniente doutra localidade que Queluz, Sintra. Um dê-jota a quem a gravidade não lhe finca o pé. Transa ele galáxias fora, a bordo dos discos voadores que as suas turn-tables giram. O seu scratch produz efeitos encantatórios no género feminino, que não cessa de jingar a anca e menear a guedelha espumosa a noite toda. Com este bo' selecta não sais da pista sem um número de telefone manuscrito no palmo e a certeza de amanhã acordares com a beldade do lado vestida com a tua t-shirt.
NVNO DISSE
7/06/2006
PÓS-FESTIVAL DO DÉFICE
Há nas nossas bocas o sarro duma noite a álcool pernoitada. Estruge dentro em nós a ressaca dum oceano após tempestade. É tempo de recolher as réstias dos comes-e-bebes sobre as mesas, sob os bancos e de entre as paredes.
Agradecemos aos convivas por conviverem no Festival do Défice. E aos Fazedores por fazê-lo.
Graças a vocês, o défice findará no nosso país. Pelo menos na região que alberga a seguinte morada:
Alameda da Universidade 1600-214 Lisboa (ed. à d. da Reitoria p/ quem vem do Metropolitano, p'la entrada à esq. da principal)
Encarecidamente,
A DIRECÇÃO
PENSAMENTO ALEATÓRIO. SERÁ?
Moisés não foi feito para reger. Crê-se que recusou ao próprio Deus a tarefa de falar aos israelitas para se cumprir o êxodo.
Era humilde. E nenhum homem se enganaria ao confundir o seu carácter parco com um dum escravo desalmado. Acredita-se que quando Jeová permitiu que ele fosse o único a vislumbrar-Lhe a face, amedrontou-se e virou servilmente as costas, não se achando digno.
Nenhum outro estadista numa só vida deu a constituição, o código civil, a moral, a ética profissional, aconselhamento familiar e matrimonial, princípios que extendem da medicina à agricultura e as regras de etiqueta e higiene a uma nação. Muito menos trouxe milhões de sandálias hebraicas e relutantes a cruzar o ermo egípcio até casa, usando só dum cajado.
E no entanto, poucos odiariam tanto a autoridade humana quanto ele.
NVNO DIXIT
Apatia e abulia. Mais comungam que na rima. São os pilares de Letras. Não intento uma desfeita à minha casa. Tudo fiz sob aquele tecto que também o amor. E algo meu sedimenta agora o estuque daquela faculdade. Uma religio sem re-.
Preocupa-me o curso que ali se lecciona e o seu como. Na prática, ensina-se a ler. Na teoria, é tudo quanto é: teoria. À parte do trabalho do Departamento de Estudos Clássicos, onde há consenso programático entre os docentes e um diálogo bem-logrado entre professores e discentes, via oral ou internética. E o mais? Dá-se matéria. Mas matéria que a é. Táctil como um palmo e substante como sopa. Julgo que tal se deva ao contacto destes latinados e gréculos com a educação pura. Não a Universidade do conhecimento à la Trivial Pursuit, mas a das lições dos antigos. Sempre me impressionou o pragmatismo daquelas humanidades. Dou muita da minha escrita à retórica segundo Aristóteles e à argumentação segundo Cícero. Nenhum workshop de jornalismo faz jus à metodologia de um e nenhuma cátedra de Direito à articulação quase óssea do outro. Nem poética há como a de Horácio, tão simples e vera que frusta o saber que a arte da lira é como a faz: vera e simples. Sim, declinei com gozo o erotismo de Catulo e gastei o dicionário para entender a tempo a anedota do Marcial. E aprendi a escrever.
A escolástica greco-latina é notícia de ontem. Mas algo naqueles fólios concentra didactismo como Sunquick. A aplicação do sabido, mediata como um CD saído do invólucro. Penso que o sucesso do modelo educativo anglo-saxónico advém do sintetismo, pensado e escrito, das línguas concisíssimas dos romanos e gregos. E o que de práctico ali havia.Reler estes autores é como vislumbrar um álbum de família. Logo se discerne quem se é e a custo de quantos. Sabe-se o que se ganhou e perdeu-se. Não me refiro aos olhos verdes do meu avô António ou ao coxeio da bisavó Diolinda, mas do ensino entre os mediterrânicos azeitoneiros. Sim, atentem os ministérios da educação para o gene do aluno. Porque não?
Não fomos feitos para Bolonhas burocráticas, gentes do Lácio.
NONIVS DIXIT
ENSAIO SOBRE O CONCEITO DE “BLOGUE”
“A Sabedoria suprema clama a alta voz pelas ruas fora. Às esquinas, no meio do tráfego, ela apela. Nas entradas, junto aos portões e dentro da cidade profere as suas palavras.”PROVÉRBIOS 1:20/1
Encetado nos fins de novecentos, o suporte conhecido por blogue substituiu a ágora helénica, a praça aldeã e o café suburbano de todos os nossos avós salivantes e mucosos. Tornou-se o opinódromo de tudo o que é neurónio cibernético. E gosta-se-lhe.
O vocábulo resulta da contracção de web+log, traduzindo-se por tronco enredado ou rede troncosa, mas—no fundo—trata-se da maior latrina de sentenças em que o Homem teve o prazer de evacuar. Num tom mais sério, dir-se-ia que cumpriu o ideal iluminista duma imprensa universal editada por doutos e leigos e lida por leigos e doutos. O que é bom—a princípio. Não contava Montesquieu é que um clube de fãs de José Cid seria o seu advir. Por outro lado, ele era francês. Avant.
Fulcral é que a Sabedoria se torne uma figura pública como a do provérbio do bom rei Salomão. Nesse, caso a Blogosfera será o seu talkshow. E os plebeus blogantes os convidados de estômago encolhido e base na olheira que vêm promover a matéria em venda. Dito isto, é de pensar se procuramos mentes mais luzidas nos sítios errados. O sociólogo falará melhor sobre a criminalidade cova-mourense que o taxista que sabe dos carros furtados do drede Rascas e do visto falso do nordestino Mílton Nascimento? Chama-se empirismo. Isso que trouxe Gama à Índia.
Contudo, o carácter amador (ou amadorense, neste caso) do bloguista pode comprometer o sobrevir do mesmo. Blogues constam ter uma longevidade de um a dois anos. Por esta altura, o opinador partilha já o coito ou achou na TV Shop um melhor bálsamo para a micose no escroto. Antes, postava dois textos ao dia. Semana seguinte, um à semana. Sequente mês, nem já era esquerdista.
O blogue-protótipo é breve e pouco conclui. Oscila entre o dogma mundano e o diário seinfeldiano do Nada. Nos melhores momentos, põe cedilhas nos cc. Nos piores, é um blogue. Noutros ainda, faculta carreiras. Digo-o considerando todos os Gatos-Fedorentos-feitos-Funcionários-Públicos-de-sextas-à-noite do meu portugalinho. E também esses tais de OS FAZEDORES DE LETRAS. Que, apesar de beneficiarem dos abdóminos tonificados do seu director—um belo homem com h (e não só) grande—não devem incomodar a Criação com os seus cismas pós-adolescidos.Afora isto, a Sabedoria anda aí. Graças ao Senhor pelo blogue.
Outro que Nuno Fonseca dixit
OS FAZEDORES DE LETRAS chega à Blogosfera e move-se com eixo no seu Leitorado.
Pedia-se há muito que o jornal académico mais duradouro neste país abraçasse as tecnologias—ao menos—dos anos 90. E assim foi. Não vimos a tempo de discutir as políticas educativas de Marçal Grilo em-linha ou a morte de Kurt Cobain, mas em boa-hora beneficiaremos a quem nos leia da melhor imprensa universitária da Universidade [Clássica] de Lisboa mediante a publicação das edições novas em formato informático.
Oportuna-se—a quem nos desconhece—o contacto primeiro com o órgão de comunicação estudantil da Faculdade de Letras, que soma 15 anos de reportagens sobre o Ensino Superior, crítica cultural (artes & letras, SA), divulgação institucional, organização de eventos, investigação histórica e edição de narrativa e verso. Na soma da matéria, lucrou todo o aluno que fez pelos FAZEDORES, tendo nele não tanto um afazer—mas um feito.
Futuramente, suportes inéditos serão adicionados, como um forum destinado a todo o Fazedor e Fazetriz para discussão das suas tarefas redactoriais e consecutiva aplicação, sugestão de temas jornalísticos e críticos para números vindouros, para além da votação de textos criativos para a secção AVESTRUZES.
Seja.
Com este passo, afigura-se cumprida a promessa desta Direcção: que os FAZEDORES não mais teriam uma “redacção do tamanho da Faculdade” onde se sedia. Antes, uma “de porta escancarada, pois todos entram. A céu aberto, pois nem ele nos é limite.”